A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, em novembro de 2024, autorizar a importação e plantio do cânhamo industrial da cannabis, uma versão da planta com baixo teor psicoativo e usada para fins medicinais.
Agora, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem o prazo de seis meses, estabelecido pelo próprio STJ, para implementar a regulação e a organização das regras para a produção.
Para a socióloga Nathália Oliveira, integrante da Iniciativa Negra Por uma Nova Política de Drogas, a decisão do STJ é um avanço e supera um histórico atraso no país em relação ao tema. Nathália acredita que o viés proibicionista e a ideologia da guerra às drogas têm dificultado decisões judiciais em relação às diversas camadas da cadeia produtiva da cannabis, inclusive para fins medicinais.
A análise foi feita durante participação no programa Bem Viver desta terça-feira (10), no qual a socióloga comentou os efeitos da decisão do STJ.
“Acho que a decisão da STJ é mais um passo. Claro que a gente gostaria da solução desse tema de um modo completo, mas ela é um passo interessante, que abre a possibilidade de criar uma cadeia produtiva totalmente interna. Então, pelo menos para termos medicinais, é a possibilidade de barateamento, a possibilidade de criação de negócios nacionais, não só para a produção, mas para a comercialização, distribuição. Assim, a gente abre um importante espaço para criação dessa cadeia positiva”.
A decisão não permite a importação ou plantio por pessoas físicas, nem o uso da matéria-prima com outra finalidade que seja a medicinal.
O cânhamo industrial tem apenas 0,3% de Tetrahidrocanabinol (THC), o que dificulta, por exemplo, o uso recreativo. Em compensação, ele tem alta concentração de canabidiol (CDB), que é a substância usada para tratamentos médicos, a exemplo da epilepsia.
Apesar de comemorar o avanço conquistado com a decisão do STJ, Nathália pondera que há algumas limitações. Ela lamenta, por exemplo, uma restrição presente na decisão, que veta a participação da população egressa do sistema carcerário na cadeia produtiva do cânhamo industrial.
“Muitas pessoas que foram injustamente presas ou exploradas pelas facções criminosas no varejo de drogas, poderiam vir a trabalhar nesse mercado, criar suas próprias empresas, e não vão poder participar dessa cadeia produtiva. Na verdade, deveria ser uma cadeia produtiva que as inclui, para que essas pessoas possam economicamente se restabelecer, encontrar trabalho, sobretudo, trabalho formal. Acho que a decisão peca muito nisso e demonstra que o STJ ainda não compreende o quanto a guerra às drogas, a proibição das drogas é uma política que é injusta”, diz.
Ainda sobre os efeitos negativos da atual política de drogas no país, Nathália cobra metodologias mais inteligentes e menos violentas. Afirmou que, hoje, a principal vítima da guerra às drogas é a população negra, periférica, e que esse modelo fragiliza o papel do Estado.
Ela acredita que o reconhecimento de uma cadeia produtiva seria crucial para o fim da violência e que a “a proibição tem uma economia que gira para o extermínio da vida”.
“A gente está falando de uma guerra que não tem precedente porque coloca a própria política, a própria força de segurança contra parte dos seus cidadãos. A gente não pode seguir lidando com uma decisão que causa prejuízos desse custo para a sociedade. Tem que ter uma solução mais inteligente que não seja a violência.”, conclui.