Dois anos atrás, um estudo pioneiro liderado pelo professor José Luiz Catão Dias e sua aluna de doutorado Ana Carolina Ewbank, também da FMVZ, encontrou diversos genes de resistência a antibióticos em bactérias do trato gastrointestinal de aves marinhas no arquipélago de Fernando de Noronha e no Atol da Rocas — ambientes insulares, localizados a centenas de quilômetros da costa do Rio Grande do Norte. Foi então que Samira teve a ideia de fazer a mesma investigação em baleias, só que com uma dificuldade a mais: ela também precisava trabalhar com animais vivos, na natureza, mas baleias de 45 toneladas não podem ser capturadas com redes e imobilizadas como se fez com aves marinhas e outras bichos menores. Então, como coletar as amostras?
Um outro trabalho coordenado por Catão Dias e a então doutoranda Kátia Groch, também publicado em 2020, detectou a presença de uma variante de Morbillivirus no borrifo de baleias jubarte em Abrolhos. (Morbillivirus é o vírus que causa sarampo em seres humanos. Nos cetáceos — grupo de mamíferos marinhos que inclui as baleias e os golfinhos — ele também é patogênico e altamente infeccioso, podendo causar surtos com altas taxas de mortalidade.) Nesse caso, as amostras de borrifo haviam sido coletadas anos antes, usando placas de acrílico presas a uma vara de quatro metros, o que exigia que os pesquisadores chegassem bem perto das baleias para coletar.
O estudo comprovou que os borrifos continham amostras do microbiota respiratória das baleias e que era possível extrair informações biológicas e genéticas dessas amostras. Exatamente o que Samira precisava para a sua nova pesquisa. Inspirada por trabalhos recentes que estavam sendo feitos em outros países, porém, ela optou por trabalhar com drones, para reduzir a necessidade (e os riscos) de ter que chegar tão perto das baleias. O projeto faz parte do doutorado de Samira, orientado pela professora Lara Keid, do Departamento de Medicina Veterinária da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga.

Diferentemente do que costuma aparecer nos desenhos animados, as baleias não borrifam água do mar pela cabeça! O borrifo, na verdade, vem da respiração das baleias: é o ar quente e úmido que elas expelem do pulmão quando sobem à superfície para respirar; e as gotículas de água são a umidade presente nessa respiração, que condensa imediatamente em contato com o ar mais frio do lado de fora — mesmo processo, por exemplo, pelo qual soltamos “fumaça” pela boca quando o tempo está frio.


“O bicho morto não te dá uma visão clara da saúde da população”, explica Samira. Os genes de resistência a antibióticos são o alvo principal desta pesquisa, mas as portas que se abrem para fazer diferentes análises e investigar outras questões com base na coleta de borrifos são muito mais amplas. “A possibilidade de acessar o ar expirado desses animais é maravilhoso”, afirma Catão, que dirige o Laboratório de Patologia Comparada de Animais Silvestres e orientou o mestrado de Samira na FMVZ. Além de bactérias e vírus, o borrifo carrega células e fragmentos de células desprendidas do trato respiratório do animal, que também podem servir como fonte de material genético para análise. “Claro que não é nenhuma panaceia, mas a quantidade de informações que a gente pode obter de uma forma não invasiva é sensacional.” Fora isso, diz ele, a única maneira de obter dados biológicos de baleias vivas na natureza é por meio de tiros de balestra, em que os pesquisadores utilizam flechas com pontas adaptadas para coletar pequenas amostras de pele dos animais.