Segundo o economista responsável pela nota técnica, Sérgio Gobetti, que usou dados da Receita Federal e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa evolução patrimonial recorde ocorreu depois de uma década de “relativa estabilidade da desigualdade”. Não por acaso, a mudança ocorreu após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016.
A análise mostra que, enquanto a maioria da população teve um crescimento nominal médio de 33% em sua renda no período de cinco anos, marcado pela pandemia, a variação registrada pelos mais ricos foi de 51%, 67% e, nos estratos mais seletos, de 87% Entre as 15 mil pessoas que compõem o 0,01% mais rico, o crescimento foi ainda maior: 96%.
“E o que se vê é que, além dos mais ricos terem, em média, maior crescimento de renda do que a base da pirâmide, a performance é tanto maior quanto maior é o nível de riqueza”, diz a nota técnica.
Como exemplo disso, a proporção do bolo apropriada pelo 1% mais rico da sociedade brasileira cresceu de 20,4% para 23,7% entre 2017 e 2022, e mais de quatro quintos dessa concentração adicional de renda foi absorvida pelo grupo que está no topo da pirâmide (0,01%).
Privilégios tributários
Segundo o levantamento, há dois eixos centrais que ajudam a entender o crescimento recente da concentração de renda no Brasil, e ambos passam pela falta de tributação: a atividade rural – composta pela agropecuária, por exemplo – e a distribuição de lucros e dividendos.
Em 2022, por exemplo, “dos R$ 147 bilhões de renda provenientes da atividade rural, mais de dois terços foi isenta de tributação (R$ 101 bilhões) e nada menos do que 42% desse montante foi parar no bolso do milésimo mais rico da população”. Esse índice de concentração é próximo dos 44% registrados por lucros e dividendos.
A distribuição de lucros e dividendos é um mecanismo do mercado financeiro, e diz respeito à remuneração que um investidor obtém de determinada companhia, seja ele sócio ou simples acionista, trabalhando ou não na empresa.
“Mais importante, porém, do que ajudar a definir quem é ou não rico (e em relação a quem), os resultados da análise com base nos dados do IRPF servem de alerta sobre o processo de reconcentração de renda no Brasil e sobre os vetores que mais contribuem para isso – os rendimentos isentos ou subtributados que se destacam como fonte de remuneração principal entre os super ricos”, diz a nota técnica.
“Em resumo, ainda é cedo para avaliar se o aumento da concentração de renda no topo é fenômeno estrutural ou conjuntural, mas as evidências reunidas reforçam a necessidade de revisão das isenções tributárias atualmente concedidas pela legislação e que beneficiam especialmente os mais ricos”, enfatiza.
O estudo acrescenta que o patamar de concentração de renda está diretamente associado a exemplos de desigualdade crônica no país, como as taxas de analfabetismo, as dificuldades de acesso à educação básica e, também, as elevadas taxas de juros – estas últimas praticadas pelo Banco Central, presidido pelo bolsonarista Roberto Campos Neto.
A deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), ao comentar os dados da nota técnica, defendeu a taxação dos super-ricos e destacou que o nível recorde de concentração de renda no país se deu durante os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff.
“DESIGUALDADE! Estudo da FGV mostra que fortuna das 15 mil pessoas mais ricas do país cresceu o triplo do que cresceu a renda do restante do povo, entre 2017 e 2022. Esse é um dos resultados desastrosos do golpe de 16 e da política Bolsoguedes. Taxar super ricos é justiça social!”, disse a parlamentar, na rede social X.
Combate às desigualdades, prioridade do governo Lula
O combate a todas as formas de desigualdade é uma das prioridades do presidente Lula, que coloca os juros altos e os privilégios tributários da camada mais abastada do país entre as principais causas do problema.
A promoção de justiça social por meio de mudanças no sistema tributário faz parte desse esforço e é uma das promessas que têm sido cumpridas pelo presidente, que já dizia, na campanha eleitoral, que colocaria “o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”.
Um dos avanços foi a sanção do projeto do Executivo que prevê a taxação dos super-ricos e das offshores – empresas ou contas bancárias abertas em paraísos fiscais no exterior por investidores residentes no Brasil.
Outras medidas importantes para promover justiça tributária foram adotadas, como, por exemplo, o aumento da faixa de isenção do IRPF para quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824).
Por sua vez, a reforma tributária conduzida pelo governo e promulgada em dezembro prevê a reversão do caráter regressivo do sistema, que obriga os pobres a pagarem, proporcionalmente, mais impostos que os ricos. As mudanças incluem o cashback, que devolve aos contribuintes de baixa renda o valor pago em impostos; a fixação de alíquota zero para a cesta básica de alimentos, a tributação de bens de luxo, como iates, helicópteros e jatinhos, entre outras mudanças.