Os exemplos de debandada vêm se avolumando pelo país. Prefeito de Nova Iguaçu, quarto maior colégio eleitoral do Rio, Rogério Lisboa (PP) vai apostar na dobradinha entre Lula e o governador Cláudio Castro, que tentará a reeleição pelo PL, sigla do presidente. À vontade no desalinho com o comando nacional do PP, o mandatário diz que nunca houve pedido de sustentação ao atual ocupante do Planalto.
“No meu carro, a bandeira não vai ser do PT, mas do Lula. Não vou com Bolsonaro de jeito nenhum”, afirma. “O PP e Ciro Nogueira estão no coração do governo, mas nunca houve uma orientação de quem eu deveria apoiar. Bolsonaro não consegue sair dos extremos. Não usa a razão tempo algum. Isso de negar vacina, protocolos… Precisamos de consenso, equilíbrio, de um líder.”
O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), integrante do comitê de pré-campanha de Bolsonaro e presidente licenciado do PP, reconheceu a existência de um movimento interno de defecção, mas procurou minimizá-lo: “Essas posições têm que ser respeitadas. Isso não acontece só em um partido específico”, disse.
As movimentações pró-Lula também ficaram explícitas no giro do petista por estados do Nordeste, em agosto. Na Bahia, o vice-governador João Leão (PP), aliado histórico do PT na região, reuniu-se com o ex-presidente e divulgou a imagem nas redes sociais. Leão é apontado como possível candidato ao Senado na aliança que terá o senador Jaques Wagner (PT) como nome à sucessão do governador Rui Costa (PT). A pressão do comando nacional para que o vice seja candidato ao Executivo não vem surtindo efeito.
“Tenho grande amizade, admiração e respeito ao líder político que Luiz Inácio Lula da Silva é para o Brasil. Estamos juntos com Lula”, disse durante a visita.
Filho do vice-governador, o deputado federal Cacá Leão, líder do PP na Câmara e dirigente da sigla na Bahia, diz que a frente que está há 16 anos no governo local será mantida:
“Apesar do apoio nacional a Bolsonaro, temos a garantia de independência e autonomia. O ex-presidente Lula tem buscado a conciliação, somar apoios. A conversa do PP da Bahia e de outros estados, como Pernambuco, é no sentido de ele receber o apoio do partido”.
É possível que se repita a aliança local unindo PT e PP. Um dos cotados para a vaga de vice é Zé Cocá (PP), prefeito de Jequié, cidade de cerca de 150 mil habitantes. Ele também é presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB) e, apesar de negar a articulação, tem participado de reuniões no Palácio de Ondina nas últimas semanas. Em março do ano passado, ele disse que o PP “marchará com Rui Costa” nas eleições de 2022. Cinco meses depois, participou de um evento com Lula ao lado da deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA).
Em Pernambuco, o presidente estadual do PP, deputado federal Eduardo da Fonte, esteve com Lula quando ele foi ao estado e sinalizou que o apoiaria na eleição presidencial, segundo petistas presentes na reunião. O parlamentar diz que não vê problema em apoiá-lo nas eleições e descarta a possibilidade de seguir com Bolsonaro.
Lula tem o apoio ainda da ala pernambucana de outro partido que integra a base de Bolsonaro, o Republicanos. Em declarações públicas, o chefe da legenda no estado, deputado federal Silvio Costa Filho, disse que o presidente nacional da sigla, Marcos Pereira, já foi informado sobre a posição do partido no estado e reforçou que a legenda terá autonomia e independência para seguir com Lula na campanha eleitoral. Costa Filho é aliado do governador Paulo Câmara, um dos maiores defensores no PSB da aliança com o PT na disputa ao Planalto. “O nosso caminho em Pernambuco será ao lado do ex-presidente Lula”, afirmou o parlamentar.
Já na Paraíba, a configuração ainda depende de um acerto local. Inclinado a apoiar Lula, o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), ainda aguarda um posicionamento do ex-presidente sobre o cenário local. O ex-governador Ricardo Coutinho, adversário de Lucena, se filiou recentemente ao PT. Em reação, o prefeito disse que Lula deveria se afastar de “más companhias”.
Aumenta a rejeição a Bolsonaro
Para o cientista político Marcus Ianoni, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a boa avaliação de Lula no Nordeste e a rejeição a Bolsonaro são dois fatores que devem pesar na escolha das lideranças.
“Os líderes partidários e políticos com mandato já colocam na balança o peso de estarem associados ao presidente Jair Bolsonaro. Os índices de rejeição aumentam a cada pesquisa, e as críticas pela condução do governo federal também”, diz Ianoni. “Além disso, Lula tem alta aprovação no Nordeste, estados em que deve ocorrer o maior número de traições dos partidos do Centrão.”
Para a cientista política Maria do Socorro, da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), o peso e o histórico das alianças locais seguem uma lógica pragmática, em que as chapas são construídas de acordo com a possibilidade de vitória e influência política nos redutos eleitorais. “Prefeitos, deputados estaduais e até federais se preocupam em como serão votados em suas bases. Os acordos são construídos com base em arranjos, que não necessariamente refletem a posição da direção nacional da legenda”, afirma.
O acordo nacional com o Centrão também não deve garantir a Bolsonaro sustentação integral no principal palanque estadual que está empenhado em montar, caso de São Paulo. Há no PP, PL e Republicanos indicações de apoio ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato do atual titular do Palácio dos Bandeirantes, João Doria (PSDB). O deputado estadual Delegado Olim (PP) disse que não vai apoiar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, candidato do presidente ao posto.
Fonte: O Globo