Sigla vive desafio de ampliar presença nos municípios; em 2020, legenda ficou em 9º lugar no ranking de eleitos
‘Esse partido precisa voltar um pouco a ser o que era no começo, pra gente reconquistar a credibilidade’, afirmou o presidente – Ricardo Stuckert
O presidente Lula (PT) disse que pré-candidatos do PT precisam investir no trabalho de base para as eleições do ano que vem. A declaração se insere em um contexto em que muitos atores políticos, teóricos e movimentos populares do campo progressista têm chamado a atenção para o afastamento entre as forças de esquerda e a população em espaços como bairros, comunidades, agrupamentos locais e afins, o que abriu terreno político para uma maior presença de partidos de direita e extrema direita nas 5.568 cidades do país.
Ao destacar o trabalho de base que o PT fez no início de sua trajetória como sigla – a legenda surgiu em 1980 –, Lula realçou a importância do corpo a corpo com o eleitor, fazendo “campanha de porta em porta”, e incentivou os correligionários a seguirem esse caminho no próximo pleito.”Esse partido, que, com essas atitudes, fez a gente se transformar no partido mais importante da esquerda na América Latina, precisa voltar um pouco a ser o que era no começo, pra gente reconquistar a credibilidade que muitas vezes a facilidade nos tira no jogo [político]”.
O petista chamou atenção ainda para a mudança no perfil dos trabalhadores e provocou os filiados a pensarem sobre a qualidade da comunicação com a população. “A base [eleitoral] originária que motivou a nossa criação está muito modificada. A classe operária já não é mais a mesma, o emprego já não é mais o mesmo. Precisamos aprender a construir o discurso pra falar com essa gente. O metalúrgico de São Bernardo do Campo que ganha R$ 8 mil já não quer mais votar na gente. Essa pessoa ficou ruim? Não. Ela elevou o padrão de vida dela e nós não aprendemos a conversar com ela.”
Evangélicos
Teve destaque ainda o fato de Lula ter mencionado a necessidade de o PT dialogar com os evangélicos. Pesquisa Datafolha divulgada na última quinta (7) mostrou que o petista continua sendo rejeitado por 38% dessa parcela da população – entre os católicos, por exemplo, o índice de reprovação do presidente é de 28%.
“Como a gente vai chegar aos evangélicos? Não é individualmente o problema de uma pessoa. É uma narrativa que nós temos que aprender para conversar com essa gente, que é gente trabalhadora e gente de bem, gente que muitas vezes agradece à igreja por ter tirado o marido da cachaça para cuidar da família, por ter tirado o marido do sofrimento, da violência, para cuidar da família. Então, nós precisamos aprender a construir um discurso para falar com essa gente”, cobrou.
Presença
As declarações foram feitas durante evento interno do PT que reuniu militantes e possíveis futuros candidatos da sigla. O encontro tem o objetivo de discutir e formular estratégias eleitorais e conta com uma programação ao longo de todo o fim de semana, em Brasília (DF). Com a volta ao governo federal depois de sete anos de gestões conservadoras no poder, o PT irá enfrentar as urnas no próximo ano com o desafio de tentar ampliar sua presença nos municípios, onde a legenda perdeu espaço nos últimos tempos.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no primeiro turno das eleições municipais de 2020, por exemplo, o PT ficou em 9º lugar no ranking dos partidos que conquistaram vagas de prefeito, vice-prefeitos e vereadores. O MDB, com cerca de 8,7 mil eleitos, o PP, com pouco mais de 7,5 mil, e o PSD, com 6.781, sucederam-se nos primeiros lugares da lista. Na sequência, vieram PSDB (5.264), Democratas (5.199), PL (4.147) e PDT (4.036), a primeira sigla do campo da esquerda a aparecer no rol, e PSB (3.498), também do campo progressista.
Como só pode haver segundo turno em cidades com mais de 200 mil eleitores, a lista em questão considera o pleito em mais de 5,5 mil municípios do país, que são aqueles que decidiram o último pleito na primeira fase da disputa.
Legislativo
Durante o evento do PT, Lula também mencionou preocupação com o tamanho da base parlamentar da legenda, que, apesar de ser governo, tem apenas 68 dos 513 deputados na Câmara Federal. O presidente estimulou os correligionários a fazerem uma autocrítica política.
“Nós temos que nos perguntar por que um partido que, muitas vezes, no discurso, pensa que tem toda a verdade do planeta só conseguiu eleger 70 deputados. Por que tão pouco se a gente é tão bom? Por que tão pouco se a gente acha que a gente poderia ter muito mais? É preciso que a gente tente encontrar resposta dentro de nós. Será que nós estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Será que nós estamos tendo competência para convencer o povo das nossas verdades?”
O presidente também mencionou sua própria participação no próximo pleito e disse que pretende viajar para algumas cidades para apoiar candidatos do partido. “Eu prometo ser um bom cabo eleitoral”, disse. A disputa de narrativa e a importância da democracia também foram destaque no discurso do chefe do Executivo.
“O que ganha as eleições é a narrativa do projeto que a gente quer pro país, pro nosso estado e nossa cidade. É a gente ter a coragem de dizer que a democracia é um valor fundamental e não é uma coisa qualquer. Nós aprendemos a gostar de democracia com os quatro anos de experiência que tivemos há pouco. Com os quatro anos do Trump nós aprendemos a amar o que é democracia. É viver democraticamente na diversidade, é a gente aprender a conviver com o diferente, é aprender a respeitar, é a gente não ser negacionista, é a gente aprender a ouvir o povo dizer o que a gente precisa fazer neste país.”
Polarização
O presidente também disse acreditar que as próximas eleições irão reeditar a polarização político-ideológica ocorrida no último pleito, em 2022. “Não sei se essa eleição será municipalizada, estadualizada ou nacionalizada. Eu, sinceramente, acho que nesta eleição vai acontecer um fenômeno: vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições nos municípios”, disse. “E vocês sabem que não podem aceitar provocação, não podem ficar com medo, não podem ficar com vergonha, não podem enfiar o rabo no meio das pernas. Vocês sabem que um cachorro quando late pra gente, a gente não baixa a cabeça: a gente late também, pra ele ficar com medo da gente”, emendou o petista, incentivando a exaltação dos ânimos.
BdF – Foto: Ricardo Stuckert