China e Brasil assinaram mais do que o dobro de acordos fechados no ano passado, por ocasião da visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim. Na visita do mandatário brasileiro em abril de 2023 haviam sido fechados 15 acordos. Desta vez foram assinados 37 documentos, entre memorandos, acordos, planos, protocolos e cartas de intenção.
O primeiro na lista de acordos foi o de expandir a parceria entre os dois países. As parcerias estratégicas são uma característica importante da política externa chinesa. E o Brasil foi o primeiro país do mundo a ter uma parceria desse tipo com a China, em 1993, sob os governos de Jiang Zemin e Itamar Franco.
A parceria agora passou a se chamar Comunidade de Destino Compartilhado Brasil-China por Um Mundo Mais Justo e Um Planeta Mais Sustentável. Para Javier Vadell, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, foi “muito importante” que o novo patamar da relação bilateral esteja sob novo rótulo.
Recentemente, as parcerias mais importantes da China passaram a utilizar esse nome. “Essa ideia de Comunidade de Destino Compartilhado representa um patamar de confiança da relação bilateral que seria superior ao da Parceria Estratégica Global”, explica Vadell.
A relação do Brasil com a Iniciativa Cinturão e Rota
Os acordos colocaram fim a meses de debates e especulações sobre a possível entrada ou não do Brasil no maior projeto de cooperação internacional, a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR). O segundo ato da lista confirmou o “meio do caminho” que vinha sido aventado por ambos os lados: a decisão de sinergizar políticas brasileiras e a ICR.
Vadell considera que a diferença entre o resultado obtido nesta quarta-feira (20) e uma entrada oficial do Brasil na iniciativa é irrelevante.
Para o analista geopolítico Marco Fernandes, o que está faltando é um debate público mais estratégico no Brasil sobre o que significariam parcerias mais consistentes com a China.
“Virou um ‘fla-flu’ se a China entra ou não entra na Nova Rota da Seda e a questão principal não é essa, mas como elevar as relações econômicas entre Brasil e China.”
O acordo especificamente chama-se Plano de Cooperação para o estabelecimento de sinergias entre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-americana e a Iniciativa Cinturão e Rota.
“Tudo isso, os programas do governo Lula e os futuros programas vão estar interligados com a Iniciativa do Cinturão e Rota. Portanto, não tem diferença em substância”, afirma Vadell.
O plano – que terá duração de 10 anos, e poderá ser renovado – estipula o fortalecimento do Fundo de Cooperação Brasil-China para a Expansão da Capacidade Produtiva para o Desenvolvimento Sustentável, um instrumento criado em junho deste ano, como resultado da VII Reunião da Cosban. O fundo é operacionalizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo de investimento para cooperação industrial China-América Latina e Caribe.
Além disso, duas forças-tarefas deverão apresentar, daqui a dois meses, uma proposta inicial de projetos prioritários para os eixos de “cooperação financeira” e outra sobre “infraestrutura, desenvolvimento de cadeias produtivas, transformação ecológica e tecnologia”.
“Aí estaria o núcleo dessa ‘sinergia’ entre a Nova Rota da Seda e os projetos prioritários do Brasil”, afirma Marco Fernandes.
Esses dois meses talvez sejam para aprofundar o debate e, ao mesmo tempo, “ter um tempo para o Lula entender um pouco qual vai ser a direção deste início de governo Trump”, diz Fernandes.
Apesar do superávit na relação comercial com a China – que em 2023 foi de US$ 51,1 bilhões – o especialista critica o fato do comércio ainda ser muito desequilibrado: “O Brasil exporta basicamente commodities. Cerca de 90% são quatro ou cinco produtos: minério de ferro, soja, petróleo bruto, milho e carne, e importamos manufaturados”.
Ao mesmo tempo, ele afirma que a China tem capacidade de investir mais no Brasil. “A China nos últimos dois anos investiu muito pouco no Brasil: US$ 1,2 bilhão, US$ 1,3 bilhão nos últimos dois anos, isso é um investimento muito baixo para um país como a China, e para um país como o Brasil.
Ele também destaca o Memorando de Entendimento entre a Telebras e a Spacesail, empresa que fornece serviços de telecomunicações via satélite. “Seria uma alternativa à Starlink do [Elon] Musk que hoje domina quase metade do mercado brasileiro de internet por satélite”, explica Fernandes.
“Isso seria um avanço importantíssimo na parceria Brasil-China, dando opções, alternativas ao Brasil de alguém que agora é membro do governo Trump”.
Agricultura familiar
Nos últimos dois anos, a construção de parcerias referentes à agricultura familiar vem sendo desenvolvida entre os dois países. Um dos pioneiros nesse sentido, é a Associação para a Cooperação Popular Internacional, Baobab, que vem articulando projetos para intercâmbios relativos a máquinas para a agricultura familiar e fábricas de bioinsumos.
Um dos acordos foi o de estabelecimento de um Laboratório Conjunto em Mecanização e Inteligência Artificial para Agricultura Familiar entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da China. Os responsáveis pela implementação do projeto serão o Instituto Nacional do Semiárido (INSA) e a Universidade Agrícola da China.
Outros acordos são referentes a protocolos de exportação de produtos agrícolas, como uvas frescas, derivados de peixe, gergelim, entre outros.
Ainda na área do agronegócio, há um memorando sobre cooperação em tecnologia e regulamentação de agrotóxicos. Um dos principais produtos de exportação em 2022 da China para o Brasil foram agrotóxicos, no valor de US$ 2,91 bilhões.
Veja cada um dos 37 acordos:
1) Declaração Conjunta entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China sobre a Formação Conjunta da Comunidade de Futuro Compartilhado China-Brasil por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável;
2) Plano de Cooperação do Governo da República Federativa do Brasil e do Governo da República Popular da China para o estabelecimento de sinergias entre o Programa de Aceleração do Crescimento, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-americana, e a Iniciativa Cinturão e Rota;
3) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento da Cooperação para o Desenvolvimento Internacional entre a Agência Brasileira de Cooperação da República Federativa do Brasil e a Agência de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional da República Popular da China;
4) Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Bioeconomia entre o Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;
5) Contrato de Captação entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o China Development Bank (CDB);
6) Protocolo de Requisitos Fitossanitários para Exportação de Uvas Frescas de Mesa do Brasil para a China entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China;
7) Protocolo sobre os Requisitos de Inspeção e Quarentena para a Exportação de Gergelim do Brasil para a China entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China;
8) Protocolo entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China para a Importação de Farinha de Peixe, Óleo de Peixe e outras Proteínas e Gorduras derivadas de Pescado para Alimentação Animal do Brasil para a China;
9) Protocolo entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China sobre Requisitos Fitossanitários para a Exportação de Sorgo do Brasil para a China;
10) Carta de Intenções entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Estatal de Regulação de Mercados (SAMR) da República Popular da China para promover a cooperação técnica, científica e comercial no setor agrícola;
11) Memorando de Entendimento para o Intercâmbio e a Colaboração sobre Tecnologia e Regulação de Pesticidas entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da República Popular da China;
12) Мemorando de Entendimento entre o Ministério das Cidades da República Federativa do Brasil e o Ministério da Habitação e do Desenvolvimento Urbano-Rural da República Popular da China para o Fortalecimento da Cooperação na Área de Desenvolvimento Urbano;
13) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da República Popular da China sobre Cooperação na Indústria Fotovoltaica;
14) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e a Autoridade de Energia Atômica da China sobre Cooperação Estratégica em Aplicações de Tecnologia Nuclear;
15) Memorando de Entendimento sobre o Programa Sino-Brasileiro de Fonte de Luz Síncrotron entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;
16) Memorando de Entendimento para o Aprimoramento da Cooperação no Desenvolvimento de Capacidades em Inteligência Artificial entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;
17) Memorando de Entendimento sobre o Estabelecimento do Laboratório Conjunto em Mecanização e Inteligência Artificial para Agricultura Familiar entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;
18) Memorando de Entendimento entre Telecomunicações Brasileiras S.A. Telebras, Empresa Vinculada ao Ministério das Comunicações do Brasil (“Telebras”) e a Shanghai Spacesail Technologies Co., Ltd., Empresa Chinesa Cujo Objetivo Social é o Provimento de Serviços e Soluções de Telecomunicações via Satélite (“Spacesail”);
19) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento da Cooperação na Economia Digital entre o Ministério das Comunicações da República Federativa do Brasil e a Administração Nacional de Dados da República Popular da China;
20) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o China Media Group sobre Cooperação Audiovisual;
21) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o China Film Archive;
22) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e a China Film Administration;
23) Carta de Intenções sobre a Promoção da Cooperação de Investimento para Desenvolvimento Sustentável entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e o Ministério do Comércio da República Popular da China;
24) Plano de Ação para Promoção do Investimento Industrial e Cooperação 2024-2025 entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;
25) Memorando de Entendimento para Promoção da Cooperação Econômica e Comercial sobre Micro, Pequenas e Médias Empresas entre o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e o Ministério do Comércio da República Popular da China;
26) Memorando de Entendimento sobre Cooperação Esportiva entre o Ministério do Esporte da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Esporte da República Popular da China;
27) Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Transformação Ecológica e Desenvolvimento Verde entre o Ministério da Fazenda da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;
28) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento do Intercâmbio e da Cooperação sobre Reforma e Desenvolvimento de Empresas Estatais e Governança Corporativa entre a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais da República Federativa do Brasil e a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais do Conselho de Estado da República Popular da China;
29) Memorando de Entendimento entre o Ministério de Minas e Energia da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China sobre Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Mineração;
30) Plano de Ação entre o Ministério da Saúde da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional da Saúde da República Popular da China na área de Saúde para os anos 2024-2026;
31) Memorando de Entendimento entre o Ministério do Turismo da República Federativa do Brasil e o Ministério da Cultura e Turismo da República Popular da China para Fortalecer a Cooperação em Turismo;
32) Memorando de Entendimento entre o Ministério do Planejamento e Orçamento da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China para o Fortalecimento de Intercâmbio e Cooperação no âmbito do Desenvolvimento Econômico;
33) Memorando de Entendimento entre a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República Federativa do Brasil e o Grupo de Mídia da China;
34) Acordo de Cooperação Técnica entre a Empresa Brasil de Comunicação S.A. – EBC – e China Media Group – CMG;
35) Memorando de Entendimento entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Tsinghua sobre o Programa de Resposta da Juventude Latino-Americana e Chinesa a Desafios Globais;
36) Memorando de Entendimento entre o Grupo de Mídia da China – CMG e a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA; e
37) Acordo de Cooperação entre a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e a Administração Estatal para Regulação do Mercado (Administração Nacional de Normalização) da República Popular da China (SAMR/SAC).