Diretora presidenta da ACT argumenta que Anvisa acertou na decisão, que traz resultados efetivos desde 2009
BdF – Na última sexta-feira (19), por unanimidade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu que cigarros eletrônicos não podem ser comercializados, importados, produzidos ou ter propaganda no Brasil. A medida referendou um protocolo que a própria Anvisa já tinha instituído em 2009.
Envolvida no tema desde o início, a ACT Promoção em Saúde comemorou a decisão e destacou como a Anvisa, desde sempre, tratou com seriedade o tema.
“Foi uma medida até pioneira da Anvisa naquela época, uma vez que a gente ainda não tinha muito desses produtos no mercado internacional, nem nacional, mas por um princípio de precaução, eles adotaram já a proibição desde 2009”, disse Monica Andreis, diretora presidenta da ACT, em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (23).
Segundo a especialista, a questão foi tratada pela Anvisa com a devida atenção. “Ao longo de cinco anos houve um processo bem amplo e participativo, onde as pessoas puderam também opinar, mandar suas contribuições.”
Andreis defende que a antecedência da Anvisa foi importante para conter o crescimento do consumo no Brasil. Embora haja uma tendência de aumento – principalmente entre jovens – a especialista defende que outros países apresentam taxas maiores.
No entanto, mesmo com a medida, cabe, agora, ao governo seguir agindo para conseguir conscientizar a população dos malefícios do cigarro eletrônico, que segundo argumenta a especialista, é muito mais maléfico para saúde humana que os convencionais.
Confira a entrevista na íntegra
Afinal, o que são cigarros eletrônicos? E eles são mais danosos para a saúde humana do que os convencionais?
Os dispositivos eletrônicos para fumar englobam uma categoria grande de produtos, mas entre eles os chamados cigarros eletrônicos e também os produtos de tabaco aquecido, por exemplo.
São produtos que, na verdade, são operados por uma bateria que aquece uma solução normalmente composta por glicerina ou propilenoglicol. Também tem nicotina e vários outros produtos, aromatizantes, aditivos, os mais diversos.
Então tem um estudo, por exemplo, que foi feito pela John Hopkins University [universidade dos EUA] mostrando que existem mais de duas mil substâncias no cigarro eletrônico. E a partir daí ele produz um aerossol, que as pessoas às vezes confundem achando que é vapor, como se fosse um vapor de água, e por isso têm a impressão de que ele seria inofensivo, digamos assim.
Mas não é, tá? Esse aerossol contém substâncias tóxicas, ou seja, tanto para a própria pessoa que inala quanto também no próprio ambiente. Isso pode causar problemas para as pessoas que estão ali naquele ambiente.
Esses produtos, na verdade, a partir do momento que a gente começou a estudar um pouco mais, começou a se verificar que existe uma gama de substâncias importantes na própria nicotina que já tem no cigarro convencional, mas muitas vezes no cigarro eletrônico está numa concentração ainda mais elevada. Então se utiliza uma tecnologia que é chamada de sais de nicotina, onde você mistura a nicotina com algum outro produto e ela então potencializa a ação da nicotina levando uma rápida dependência, por exemplo.
Porém, como esses produtos aquecem e não queimam a substâncias – ou às vezes até queimam, mas numa temperatura menor – se diz que eles não têm combustão, digamos assim. É isso que os fabricantes alegam, que seriam menos tóxicos porque eles não têm a combustão de um cigarro convencional.
Porém, o que nós sabemos é que, primeiro, alguns estudos já mostram que existe queima sim, então não é também para todos os produtos que a gente tem só essa questão do aquecimento.
E, por outro lado, mesmo que tenha uma quantidade relativamente menor, são substâncias com grande impacto na saúde. Substâncias que provocam tanto danos cardiovasculares, danos pulmonares, às vezes pulmonares bastante graves, desencadeados rapidamente.
A gente vê casos de pessoas com doenças associadas ao uso de cigarros eletrônicos, desenvolvendo problemas de saúde muito rapidamente, mais rápido até do que pessoas que conseguiram consumir os cigarros convencionais.
Você tem aí casos de jovens de 18 anos, por exemplo, que precisaram ser submetidos a transplante duplo de pulmão. Pessoas internadas em situação grave em UTI, por exemplo, com consumo relativamente recente. Às vezes, a pessoa com consumo de apenas um ano, ou até relatos de pessoas com consumo de três meses, já com o pulmão extremamente danificado.
A gente tem que olhar para isso, que são substâncias que causam grandes prejuízos à saúde.
Desde 2009 a Anvisa tem uma resolução de proibir a comercialização desses produtos. Mas, mesmo assim, vemos que o consumo segue crescendo, principalmente entre jovens. O que é preciso ser feito, então, para combater essa tendência?
Na verdade, é importante esclarecer que, no geral, o Brasil observa e se preocupa com o consumo, especialmente por jovens. Então, a experimentação cresceu e deve nos preocupar.
O consumo, como um todo, não teve um aumento tão significativo, como, por exemplo, a gente vê nas últimas pesquisas de âmbito nacional. Em relação, por exemplo, a países que liberaram a comercialização, o Brasil tem um consumo ainda mais reduzido, mas é claro que a gente tem que se preocupar, especialmente, com isso, com a experimentação pelos jovens.
Por exemplo, na pesquisa Vigitel que nós tivemos no ano passado, se viu que a maior parte das pessoas que consomem são jovens e 60% desses que consomem não eram fumantes anteriormente. Ou seja, eles não estão buscando uma alternativa, eles estão começando o consumo através desses produtos.
Isso realmente preocupa. Acho que é fundamental existir primeiro uma ampla campanha contínua, não somente uma ação desolada e sim uma campanha contínua de informação para que a população saiba o que são esses produtos e os reais riscos que estão associados a eles.
Além disso, um incremento nas ações de fiscalização para coibir o mercado ilegal desses produtos. Aí entra uma questão que é ampla e não só dos órgãos de vigilância sanitária, dos órgãos de defesa de consumidor que fazem a fiscalização do cumprimento das leis e tudo mais.
Mas também a parte de inteligência, de integração de diversos órgãos do governo para saber de onde estão vindo esses produtos, quem está trazendo, quem está distribuindo. Isso a gente defende não só para a questão dos vapes, mas para todos os produtos, e no caso aqui que a gente está falando de tabagismo, também para o cigarro convencional, porque apesar do cigarro convencional ser legalizado no país, a gente tem problema com o mercado ilegal também.
Então não é dizer que se liberasse não ia ter mais esse problema. Não é verdade, a gente tem o cigarro há muitos anos liberado pra venda e ainda assim tem o problema do mercado ilegal. Então o que a gente precisa, de fato, é ampliar muito mais as ações de coordenação de órgãos do governo que possam entender um pouco melhor todo esse fluxo do mercado ilegal, seja de cigarro, seja de produtos eletrônicos para fumar.
Para isso, a gente tem até um protocolo que o Brasil assinou, que chama Protocolo Para a Eliminação do Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco, que englobaria tanto os cigarros convencionais quanto os produtos eletrônicos.
Mas precisa ser colocado em prática. E a gente precisa ver essas ações acontecendo mais frequentemente do que a gente tem hoje, por exemplo.
O Brasil é um país referência no combate ao tabagismo. Uma das estratégias apontadas como de sucesso foram as publicidades alinhadas ao aumento sucessivo de imposto sobre cigarro. Essa é uma estratégia que não caberia nesta situação pelo produto não poder ser comercializado no Brasil, certo Monica?
Olha, acho que você tocou num ponto importante. O Brasil tem esse histórico, de ser reconhecido por ter conseguido adotar medidas que levaram uma redução do tabagismo no país.
A gente tinha, em 1989, 35% de fumantes no Brasil. Hoje, a Pesquisa Vigitel fala em 9,3% ou seja, foi uma redução significativa, né?
Então, a gente tem muito aprendizado ao longo desses anos, mostrando que essas medidas funcionam. Entre elas, a gente tem a questão dos preços impostos, como você colocou, mas também outras medidas foram importantes.
A lei antifumo, por exemplo, a proibição de publicidade, o uso daquelas advertências sanitárias nos maços.
Uma série de medidas que foram mesmo importantes para que a gente tivesse esse resultado de uma redução no número de fumantes e também uma maior conscientização da população.
Em relação ao cigarro convencional, a gente tem uma maior conscientização das pessoas dos males associados a esse produto. A gente precisa galgar isso também em relação ao eletrônico, de ter essa mesma conscientização.
Em relação à questão dos impostos e preços, essa é uma das medidas mais eficazes para a redução do consumo.
Quando toca no bolso, as pessoas sentem e, de fato, elas reduzem ou param de fumar. E o jovem, se aquele cigarro for muito acessível, muito barato e encontrado em qualquer lugar, é muito mais fácil para ele iniciar o tabagismo do que se for um produto caro.
E o cigarro brasileiro ainda é muito barato. Se você for pensar em vários países fora daqui, o cigarro custa muito mais caro. Tem países aí em que custa em torno de 10 dólares um maço de cigarro.
E no Brasil, nós temos um preço mínimo que é de R$ 5 apenas. E o que é pior, isso não foi reajustado desde 2016. Ou seja, todos os produtos a gente vê que aumentam e cigarro não aumentou. Nós não tivemos reajuste no preço mínimo de cigarros, que é de R$ 5 por maço, e nem dos impostos de tabaco desde 2016.
Não há o que justifique uma coisa como essa. Pensar em arrecadação por causa de cigarro eletrônico é completamente enviesado, uma vez que a gente sabe que as consequências para a saúde são muito mais custosas do que qualquer coisa que a gente venha arrecadar, no caso do cigarro convencional.
A gente tem uma conta de que o custo para a saúde é em torno de R$ 92 bilhões ao ano, de custos direto e indireto, e a arrecadação é somente de R$ 12,2 bilhões ao ano.
Então, a conta que fica para o sistema de saúde brasileiro é imensa e isso não vai ser diferente com o cigarro eletrônico. Ou seja, pensar em liberar para arrecadar é completamente ignorar a realidade de que aquilo acaba custando muito mais ao Estado do que trazendo recursos.
E por outro lado, se a gente quer arrecadar mais, tem que ajustar o cigarro, por exemplo. Por que não ajustou desde 2016?
Então, é muito importante a gente levar para essa reforma tributária, que a gente tá discutindo no Brasil, uma oportunidade de criar o imposto seletivo sobre tabaco.
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